Desde há muito tempo que a arte tem servido como instrumento de crítica social e política, envolvendo-se os artistas frequentemente em movimentos sociais, expressando a grande relação das artes com o ativismo político e social.
Os anos 60 foram ricos em manifestações artísticas inseridas em movimentos sociais, muitas vezes de caráter pacífico, que procuravam questionar os modelos políticos vigentes. Manifestações de arte visual e musical, com performances e happenings, ocorriam muitas vezes de forma aparentemente espontânea, “invadindo” a rotina do espaço público, questionando e funcionando muitas vezes quase como contracultura, aparentemente anárquica.
Mas é sobretudo nos anos 90, com o desenvolvimento da arte urbana, que a expressão visual como meio de protesto parece ter um maior incremento, sendo vários os artistas que, na atualidade, procuram ter impacto sociopolítico com os trabalhos que produzem.
Em artigos anteriores, fizemos referência aos trabalhos de alguns artistas, nomeadamente Banksy que, através de graffitis, que podemos encontrar em ruas, pontes e muros de diversas cidades do mundo, tem procurado criticar os conceitos de capitalismo, autoridade e poder.
A arte é uma forma de comunicação, permitindo sintetizar as emoções e os sentimentos sociais já existentes em relação a certas questões psicossociais polémicas, complexas e atuais, podendo ajudar a promover a reflexão e o debate sobre as mesmas.
Um caso recente ocorreu com a exposição/performance intitulada “Ivanka Vacuuming (2019)”, de Jennifer Rubell, na “Flashpoint Gallery”, em Washington.
Rubell é uma artista conceptual, pelo que procura expressar ideias através da sua materialização artística.
Neste caso, como o título sugere, a performance consiste numa sósia de Ivanka Trump a aspirar as migalhas que o público da galeria é convidado a atirar para uma carpete vermelha onde esta modelo se encontra.
Curiosamente, as performances com aspirador têm vindo a ser usadas com diversos objetivos. Num artigo recente fizemos referência à performance realizada pelo artista Nut Brother, que aspirou o ar de Pequim durante 100 dias, procurando alertar a sociedade para os problemas ambientais e levar as pessoas a pensar na relação entre a natureza e o homem.
Mas voltando à performance “Ivanka Vacuuming (2019)”, a sua autora Rubell referiu que a filha e simultaneamente assessora de Trump é um “ícone feminino contemporâneo” e o público gosta de jogar as migalhas para Ivanka aspirar: “fá-los sentir poderosos”.
Por seu turno, Kristi Maiselman, diretora do CulturalDC, a organização de artes que encomendou o trabalho e está hospedando iterações do mesmo, referiu num comunicado: “O CulturalDC não está apenas criando espaço para a arte, estamos tornando esse espaço acessível e envolvente para os participantes. Com isso, gostaríamos de ter a oportunidade de fazer a Sra. Trump visitar a exposição para que ela possa ver e julgar por si mesma”.
Mas Ivanka não visitou a exposição, tendo ela e os seus irmãos Donald e Erik criticado a exibição, considerando-a como uma tentativa sexista de humilha-la.
Ivanka Trump inclusivamente twittou (tal pai, tal filha) sobre a exposição: “As mulheres podem escolher bater umas nas outras ou construir umas com as outras. Eu escolho a segunda”. (“Women can choose to knock each other down or build each other up. I choose the latter.”)
A polémica gerada em torno desta performance revela que a arte continua a ter impacto sociopolítico, promovendo debate e reflexão sobre ideias e (pre)conceitos.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de março)