Depois da crónica do mês passado sobre o incêndio em Monchique, não pensava voltar a escrever sobre um incêndio, mas quem é que fica indiferente ao desaparecimento de um património riquíssimo, que implicou a perda de 200 anos de história comum e um espólio com cerca de 20 milhões de peças?
Quando a história, a ciência e a cultura ardem, seja em que país for ficamos todos mais pobres.
Ao ver na televisão as impressionantes imagens do Museu Nacional do Brasil a arder, senti uma enorme tristeza, não só por não ter visitado aquele que se tornou no maior museu de História Natural e Antropologia da América Latina, quando há alguns meses estive no Rio de Janeiro, mas principalmente por perceber que se perdeu uma parte da história de Portugal no Brasil.
Num domingo à noite (a tempo das más “notícias” mediáticas de segunda-feira), no início da semana em que se celebra a proclamação da independência nacional e em tempo de campanha eleitoral…o sucedido impõe-se-nos como um reflexo incontornável do Brasil actual!
Há informação sobre a existência de alguma tecnologia de ponta no Brasil, no entanto ocorreram nos últimos anos pelo menos oito grandes incêndios (como refere a agência brasileira Globo) que consumiram prédios que guardavam acervo com valor artístico, histórico e científico.
Não se trata de um pequeno museu, mas de um grande museu do Estado Brasileiro. E mesmo que fosse um pequeno museu, o património tem de ser conservado como um legado para as gerações futuras e não deixado ao abandono.
Certamente todos esperamos que os governantes tirem ilações e que não voltem a acontecer tragédias destas. Segundo regras de segurança gerais, edifícios desta importância devem estar apetrechados com segurança adequada e nos locais onde estejam armazenadas obras ou peças de interesse para o património histórico e cultural, deve ser assegurada protecção adicional. Será que o Estado Brasileiro não consegue ter sistemas automáticos de detecção e extinção de incêndio, em particular com extintores adequados à preservação do património? Será que não consegue ter sistemas de controlo de fumo, bocas de incêndio e portas resistentes ao fogo?
A história recente e actual do Brasil não parece tanto a de um país em desenvolvimento com Ordem e Progresso, mas antes a de um Museu em chamas!
A forma como um país cuida das crianças, dos velhos, dos animais, da natureza e do passado diz tudo sobre esse país.
Ocorreu-me uma frase de origem indígena que refere que “quando morre um velho, é como se morresse uma floresta”, neste caso não morreu a floresta, o parque nacional da Boa Vista, que rodeia o Museu, não foi danificado, mas morreu o velho que é como se fosse o Museu e todo o arquivo histórico.
O Museu Nacional do Rio de Janeiro preservava a memória viva da estreita relação entre o Brasil e Portugal. E porque Portugal é um país solidário irá certamente empenhar-se, através dos Museus Portugueses e do Ministério da Cultura, na ajuda à reconstrução desse Museu.
Várias entidades referiram publicamente a possibilidade de oferta de peças que representem a relação entre Portugal e o Brasil. Acredito que noutros museus do Brasil, como em Portugal, há peças para oferecer, muitas talvez não estejam expostas ou estejam em depósito.
O futuro fica comprometido quando o passado é esquecido ou destruído. O futuro é feito da memória, do respeito pela herança e raízes comuns e pela salvaguarda do património cultural. Estas premissas têm de estar presentes em qualquer país que se queira considerar civilizado.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Setembro)