Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004) formou-se em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico e foi dirigente eclesial e política. Foi a única mulher que desempenhou o cargo de primeira-ministra em Portugal, tendo liderado o V Governo Constitucional, de 31 de Julho de 1979 a 3 de Janeiro de 1980.
A sua dimensão de católica era indissociável dos seus empenhamentos sociais, sendo o horizonte da justiça a sua ambição política. Em 1957 fundou em Portugal o movimento internacional de inspiração cristã designado por Graal.
Entre 1964 e 1969, enquanto vice-presidente internacional do Graal, foi coordenadora de programas de formação e de projectos-piloto no domínio da emancipação da mulher, do desenvolvimento, da acção sociocultural e da evangelização.
Entre os muitos lugares que desempenhou internacionalmente, foi embaixadora de Portugal junto da UNESCO e eurodeputada. Foi convidada (anos 90) para presidir à Comissão Independente sobre a População e Qualidade de Vida, no âmbito da ONU, tendo escrito o prefácio do Relatório dessa Comissão designado: Cuidar o Futuro – Um programa radical para viver melhor.
Este Relatório, publicado em português em 1998, é um livro de consciencialização, problematizando questões que ainda hoje continuam muito actuais, tal como a crise ambiental. Um Relatório “visionário”. Foi um dos documentos de trabalho que escolhi para algumas cadeiras que leccionei no ensino superior.
Chegou ao conhecimento de Maria de Lourdes Pintasilgo que uma jovem professora era entusiasta deste Relatório e o partilhava nas aulas. Segundo uma pessoa que lhe era próxima iria ser marcado um encontro para nos conhecermos.
Infelizmente nesse Verão de 2004 Maria de Lourdes partiu e fiquei com imensa tristeza por não a ter conhecido pessoalmente. Continua a ser uma inspiração para mim, pela forma como se entregou às causas, pela fé e pelo exemplo de vida.
Cuidar o Futuro – para uma ética global
O Relatório introduz a noção de cuidado na acção política. A partir deste conceito a antiga primeira-ministra portuguesa defendia algumas das ideias fundamentais do seu pensamento e também do trabalho da Comissão Independente para a População e Qualidade de Vida: a importância de um novo contrato social que envolva a sociedade civil; a necessidade de uma concepção da política que implique não apenas a liberdade, mas também a responsabilidade; um novo conceito de educação e um papel mais relevante para as mulheres.
Maria de Lourdes Pintasilgo contribuiu para que fosse dado um novo sentido ao cuidado, trazendo o conceito de cuidado para o espaço público e, segundo a professora e investigadora Fernanda Henriques (Uni. Évora), contribuiu para que o cuidado fosse a chave para a configuração de um novo paradigma para a política.
A ética global está assente em dois pilares que estão interligados: o do cuidado e o da responsabilidade, que são para Maria de Lourdes Pintasilgo a base da acção humana. A integração destes dois pilares no seu pensamento e acção revela a importância da filosofia na sua vida e a influência de Martin Heidegger e de Hans Jonas no seu percurso como pensadora.
Essa coerência sente-se nas suas palavras enquanto candidata independente às eleições presidenciais em 1986: “Candidato-me porque a ética obriga a buscar caminhos para que aquilo que é tido como sendo o possível, se aproxime cada vez mais daquilo que é não só desejável mas imperiosamente necessário”.
Para Maria de Lourdes Pintasilgo os governantes tinham a responsabilidade ético-política de contribuir para um futuro com Qualidade de Vida, que conduzisse a uma humanização da política, onde o Outro fosse tratado como interlocutor válido na discussão política.
O lema “cuidar o futuro” foi tão importante na sua vida, que o usou como título para o Relatório internacional acima referido e o usou como nome para a Fundação que criou e que gere e preserva o seu espólio.
Em síntese, pode dizer-se que o lema “cuidar o futuro” resume a sua proposta de uma nova cultura política, de uma nova atitude ética ligada à capacidade de cuidar e à responsabilidade de construir um futuro melhor com uma existência mais digna e mais feliz.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de abril)
(CM)