Local de passagem entre continentes, o Algarve foi, desde a origem, um território diversificado e em constante alteração. Romanos adaptaram feitorias fenícias, islâmicos invadiram territórios romanos, os cristãos vindos do Norte, após a Reconquista, converteram os núcleos urbanos consolidados e conquistados, absorvendo conhecimento construtivo nos seus espaços, entre casas e ruas que encerram valores e aspirações das mais importantes civilizações do mediterrâneo.
A maioria destas casas – arquiteturas sem arquiteto – em taipa ou adobe, em xisto, calcário ou brecha, caniço, telhas e tijoleiras de barro Santa Catarina ou palha e construíam-se irrepreensivelmente abrigadas dos ventos de Norte, entre as linhas de festo e as linhas de água, nos territórios do barro e da cal com espaços interiores de grande conforto térmico e eficácia técnico/funcional.
A começar pela orientação, sempre com a frente virada a sul, onde se criavam vãos e espaços exteriores de trabalho e convivência, geralmente com forno, eira e tanque associado, muitas das vezes para recolha das águas pluviais. A tardoz, virada a Norte, as paredes exteriores não tinham vãos, exceto um ou outro postigo, utilizados ocasionalmente para ventilação transversal e todas estas soluções intuitivas eram usadas em casas urbanas e rurais, o que formou uma grande coerência formal e construtiva apoiada nas pequenas economias e materiais locais.
Mas, após a Revolução Industrial tudo se começa a desagregar. A industrialização contribuiu de forma acelerada para a difusão dos novos sistemas construtivos e, nos anos 40, as estruturas de betão armado começam a ser implementadas. Em menos de vinte anos a construção de pilar e viga torna-se no método predominante de construção acompanhando o ritmo frenético da turistificação do litoral.
O uso de materiais locais e sustentáveis desaparece dos hábitos de construção das populações e, apesar da qualidade plástica, térmica e estética, as antigas construções passam a representar, para a generalidade da sociedade, um atraso secular em oposição às novas construções. Um pouco por todo o Algarve disseminam-se materiais importados, mas de fraca qualidade, sobretudo provenientes do plástico, volumes e avançados nos alçados, platibandas, panos de vidro, cores e texturas que em nada recordam o passado construtivo de grande coerência e qualidade, sobretudo técnica e climática.
E a irreversibilidade do erro torna-se real quando refletimos sobre o passado: de facto se olharmos para os antigos solares de pedra e cal, vemos que a arquitetura soube criar nobreza sem riqueza, daí a pureza e a dignidade de tantas casas antigas que foram destruídas ou ainda sobrevivem embora condenadas ao desaparecimento.
Nas palavras de Bernard Rudofsky “a arquitetura vernácula não atravessa ciclos de moda. Ela é quase tão imutável, de facto e sem necessidades de melhoramento porque já desempenha as suas funções, na perfeita relação com o território onde se insere”.
Quanto mais nos afastamos da arquitetura tradicional e promovemos novas e desajustadas construções maiores dificuldades teremos em adaptar-nos aos desafios do tempo, do clima e aos cada vez mais escassos recursos naturais.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de junho)
(CM)