Nesta época de balanço e novos planos proponho que pensemos nas pessoas que nos rodeiam. Como seres sociais que somos, passamos grande tempo da nossa vida a inter-agir com outros, seja na esfera profissional, na vida familiar ou no tempo livre. Existem relações das quais dificilmente podemos fugir: os colegas de trabalho ou a família que nos caiu em sorte. Contudo, cada um de nós tem a liberdade de escolher com quem se dá no seu tempo livre. Deste lidar com os outros, por vezes saímos nutridos, outras sugados. Vale portanto bem a pena investigar este assunto.
O caro leitor costuma conviver com alguém que continuamente se queixe das dores físicas ou emocionais? Alguém que proteste por causa do custo de vida, do governo, do calor ou do frio? Tem algum colega que confunda o tempo das reuniões de trabalho com sessões de psicoterapia lamuriando sem cessar e nunca apresentando alternativas ou soluções para os problemas que tão emotivamente enuncia? Há também aquela pessoa que lhe telefona assiduamente para desabafar? E aquela outra com a qual cada oportunidade de conversa se transforma rapidamente numa canção de maledicência salpicada de vitimização e queixume? Independentemente da possível legitimidade dos seus pontos de vista, estes comportamentos revelam egoísmo e uma enorme falta de delicadeza no ocupar do tempo de ouvido do outro. Muitos filósofos que, da antiguidade aos nossos dias, se dedicaram a investigar este assunto coincidem num ponto: os queixosos e lamurientos são de evitar a todo custo!
Séneca no ensaio intitulado Da Tranquilidade do Espírito afirma: “Principalmente deves evitar os tristes e aqueles para quem tudo é motivo de queixa. Embora a lealdade e a amabilidade de um homem não se possam pôr em dúvida, uma companhia intranquila e lamentosa de tudo é um inimigo da paz de espírito”. Já Platão, na República, pretendia excluir as melodias lamentosas ―a mixolídia e a sintonolidia― que se consideravam inúteis para a formação de um bom carácter. Do ponto de vista filosófico estas pessoas não são apenas massadoras, elas são perigosas! Afastar-mo-nos delas será a atitude mais sensata se pretendemos preservar a serenidade.
No Livro VIII da Ética a Nicómaco Aristóteles distingue três tipos de amizade: amizades de prazer, de utilidade e de virtude. Já falámos delas num Café Filosófico anterio, mas talvez valha a pena recordar. Posso relacionar-me com alguém pela agradabilidade da sua companhia, pela utilidade, ou pela virtuosidade do seu carácter. Apenas esta última será verdadeira amizade. Porém, não devemos desprezar imediatamente as duas primeiras. Uma relação cordial e prazenteira com conhecidos com os quais tenhamos de lidar é de estimar. Uma relação de utilidade ―desde que simbiótica― nada tem de anti-ético. Imagine-se, por exemplo, a sociabilidade que se gera entre um grupo de pais que divide entre si o ir buscar e levar os filhos ao colégio. Une-os uma relação de utilidade que facilmente se dissipará quando as circunstâncias se modificarem.
Alain de Botton no livro intitulado Como Proust pode mudar a sua vida mostra-nos como o excelente escritor desafia as ideias consagradas sobre a amizade. Esclarece-nos que apenas pessoas com poucos amigos estão convencidas de que aquilo sobre qual gostam de falar agrada imediatamente aos outros. Proust, bastante menos optimista, reconheceu imediatamente a plausível discrepância entre os seus próprios interesses e os dos seus eventuais interlocutores. Por esta razão, preferia fazer perguntas ―não invasivas!― por forma a ir ao encontro da pessoa com a qual dialogava. Mesmo que tal assunto não lhe interessasse minimamente, preferia-o a correr o risco de aborrecer outrem com um tema da sua preferência. Revelaria más maneiras!
Existe uma enorme falta de tacto por parte daquelas pessoas cuja conversa não procura interessar o outro mas, muito pelo contrario, consiste em tentar elucidar de forma egoísta os pontos de vista que lhe interessam. Uma conversa cortez implica a abdicação de si próprio em prol dos companheiros. A linguagem serve aqui, primeiramente, para criar um vínculo com o outro, para gerar empatia, afecção. Não se trata de hipocrisia, trata-se das tão em desuso, boas maneiras!
As boas maneiras criam boas condições para o aprofundamento do conhecimento de cada um. Então, num processo mais ou menos paulatino, as afinidades vão surgindo. Os amigos íntimos, esses sim, conferem-nos a oportunidade de expressarmos o nosso ser mais profundo. As conversas que com eles temos constituem um forum privilegiado no qual podemos dizer o que realmente pensamos, ser quem realmente somos.
Um outro ponto consensual entre diversos filósofos é o de que os amigos se preocupam uns com os outros. Há um cuidado mútuo. Importar-se com alguém envolve tanto simpatia como ação. Os verdadeiros amigos alegram-se com o sucesso dos seus amigos, e entristecem com os seus fracassos ― mas não se decepcionam com a pessoa amiga! Estão lá, para o que der e vier! Neste seu cuidado mútuo, os amigos promovem o bem do outro gratuita e incondicionalmente, sem qualquer motivo oculto.
Dito isto, quem deixar, e quem levar consigo na aventura de 2019?
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(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Janeiro)