Gosto de olhar para uma fotografia e pensar que estou perante uma interpretação da realidade – toda a fotografia é interpretação -, mas que a realidade que se ofereceu à câmera e ao fotógrafo se mantém, nessa imagem, intocada na sua essência. Por outro lado, tenho a tendência de encarar uma imagem substancialmente manipulada como algo que, inevitavelmente, se afastou do que é a fotografia.
O facto de uma imagem ter por base a técnica fotográfica faz dela, sempre e incondicionalmente, uma fotografia?
A manipulação fotográfica existe desde que a fotografia existe porque a arte pictórica, até aí, era uma arte de idealização. Num quadro, o pintor sempre colocou o que quis e sempre excluiu o que não queria incluir. Deste racional, absolutamente arreigado no nosso subconsciente estético coletivo, deriva o gosto, nem sempre muito saudável, das imagens belas, perfeitas, idealizadas, ideal este que, bem ou mal, positiva ou negativamente, contamina inelutavelmente a fotografia.
A realidade, por sua vez, não obstante o filtro da objetiva que, apesar de tudo, segue a tradição pictórica renascentista da perspetiva, contraria a fantasia. Deste modo, a fotografia realista – o fotojornalismo essencialmente – vive, tal como Dâmocles com a espada, com o fantasma da manipulação fotográfica sobre a cabeça.
É, pois, facílimo ficarmos divididos relativamente a esta questão. O mais difícil é termos respostas claras sobre a mesma sem cairmos no mais fácil, que são os extremos. Esta dificuldade advém do facto de que entrámos, sem querer, no domínio do subjetivo, do gosto, da opinião. Não é possível traçar linhas limite. Nunca será.
Resta-nos assim o mais universal dos princípios: o bom senso. E o prazer. O prazer de admirar uma imagem bem construída, que fala connosco, “que te faz ir mais além, que habita em ti…”
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Outubro)